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quarta-feira, 29 de abril de 2009


Quadrilha – Carlos Drumont de Andrade

João amava Tereza que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém
João foi para os Estados Unidos, Tereza para o convento.
Raimundo morreu de desastre
Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história

Há várias definições para a palavra Quadrilha. 1) Desde a idade média, a quadrilha refere-se a um jogo com quatro cavaleiros, preparados para o jogo de canas. 2) Grupo de cavaleiros prontos para guerrear. 3) Grupos de soldados ou polícia. 4) Folclore: Grupo de cavaleiros que vão de local à local executando um dado trabalho (cultura popular, religioso, etc). 5) Grupo de pessoas. 6) Grupo de malfeitores, bandidos. 7) Regionalismo: Dança popular brasileira, própria dos festejos juninos, feita com uma série de movimentos coreográficos.

A palavra reincidente é grupo. Grupo organizado em pares.
Quadrilha = Quadra + ilha = Ilha, usado como sufixo é também um lexema na área da geografia. Ilha fluvial (água doce) ou ilha marítima. Cume ou pico de uma montanha que emerge do mar. Sentido simbólico – solidão “Nenhum homem é uma ilha”. Isolado, solitário: “Queria estar numa ilha, longe de tudo.”

Quais são as relações sintáticos-semânticas que estão condensadas no conteúdo do verbo amar? Há uma relação de reciprocidade – Um objeto circulando ao mesmo tempo entre dois sujeitos. Isto forma a parceria – o amor ocorre em parceria, com parceiros que nutrem amizade, confiança, lealdade, cumplicidade e tolerância. Entretanto isto só ocorre no mundo da vida, no mundo dos negócios, o parceiro necessariamente não é amigo.
As três primeiras linhas do poema Quadrilha, mostra que não há reciprocidade no amor. Semanticamente, no conceito de amor, há também um entrelaçamento. O vinculo é o amor, todos eles amavam, tinha tal capacidade, mas não na reciprocidade. Está explicito no poema que A ama B que ama C que ama D que E que ama F. Está implícito que F não ama E que não ama D que não ama C que não ama B que não ama A. No texto produto afirma-se, no conteúdo semântico nega-se. Lili encerra o encadeamento porque ela não tem competência para amar. Não há troca, portanto não há jogo.
O problema é que há uma ruptura com a expectativa, com a parceria.
O restante do poema mostra a conseqüência disso. João optou por ir para os Estados Unidos, ser estrangeiro em outra terra e viver sozinho, longe dos amigos e da família. Teresa optou por ser esposa de Cristo, para isso abdicou a vida de casada ao lado de um homem. Raimundo não teve opção, sofreu um acidente e morreu. Maria não se casou, optou por ficar solteira, em outras palavras, sozinha. Joaquim optou por tirar a própria vida. Lili optou por casar-se, mas ela não casou por amor. J. Pinto Fernandes é o nome de comércio. Não temos o primeiro nome, apenas uma letra “J.”. Lili sai do mundo da vida e opta pelo mundo do mercado. Há uma parceria cartorial. Fez do casamento um negócio.
O sufixo ‘ilha’ em quadrilha indica solidão. Todos se isolam do mundo. Há uma ausência de parceria. A única que se casou foi Lili, mas não por amor, e sim por interesse. Ilha também indica pequenez. Para Drumont o homem incapaz de amor é infeliz. Ele mostra a pequenez do homem quando este é incapaz de amar.

Obs.: Méritos do professor Cassiano Butti e professora Jeni Turazza. Disciplina de Morfossintaxe PUC SP.

sexta-feira, 10 de abril de 2009



Medo da Senhora

A escrava pegou a filhinha nascida
Nas costas
E se atirou no Paraíba
Para que a criança não fosse
judiada.

Mário de Andrade

A palavra “judiar” significa atormentar, maus-tratos, crueldade. Trata-se de uma alusão ao povo judeu que, historicamente foi perseguido por outros povos. Primeiramente, foram escravos no Egito onde eram maltratados pelo por seus senhores e faraós. Mais tarde, em 586 AC quando Jerusalém foi destruída pelos Babilônios, foram feitos cativos novamente, e tem inicio a primeira diáspora. Finalmente, quando os Romanos conquistaram Jerusalém, o imperador Adriano expulsa os judeus da cidade em 135 AD, tem início a segunda diáspora e os judeus são espalhados pelo mundo. Além da perseguição nos diversos países para onde fugiram, houve uma intensificação durante a inquisição católica na Espanha e Portugal pouco antes de 1500 e, no século XX foram vítimas do holocausto na Alemanha nazista. Isto os coloca, no imaginário coletivo, na posição de vítimas de sofrimento.
O autor faz uso deste conhecimento de mundo para indicar o que acontecia com homens e mulheres negros, tirados à força de vários países no continente africano e levados a lugares distantes em diversos países das Américas. No Livro O Povo Brasileiro, páginas 119 e 120, Darcy Ribeiro comenta: “(...) maltrapilho e sujo, feio e fedido, perebento e enfermo, sem qualquer gozo ou orgulho do corpo, vivia a sua rotina. Esta era sofrer todo o dia o castigo diário das chicotadas soltas, para trabalhar atento e tenso. Semanalmente vinha um castigo preventivo, pedagógico, para não pensar em fuga, e, quando chamava atenção, recaía sobre ele um castigo exemplar, na forma de mutilação de dedos, do furo de seios, de queimaduras com tição, de ter todos os dentes quebrados criteriosamente, ou dos açoites no pelourinho, sob trezentas chicotadas de uma vez, para matar, ou cinqüenta chicotadas diárias, para sobreviver. Se fugia e era apanhado, podia ser marcado com ferro em brasa, tendo um tendão cortado, viver peado com uma bola de ferro, ser queimado vivo, em dias de agonia, na boca da fornalha ou, de uma vez só, jogado nela para arder como um graveto oleoso.”
A filhinha nascida ‘nas costas’ representa os filhos da África, que vinham, na maioria, da costa africana. Por razões logísticas, já que os caçadores de escravos eram, entre outros, navegadores portugueses, havia uma preferência pelos negros que viviam perto do mar, ou ‘nas costas’ do continente africano. Em seu livro, página 114, Darcy Ribeiro comenta: “Os negros do Brasil, trazidos principalmente das costa ocidental da África, foram capturados meio ao acaso nas centenas de povos tribais que falavam dialetos e línguas não inteligíveis uns aos outros.”
Aqui chegando eram levados para lugares diferentes de norte a sul. O fato de Mario de Andrade citar o rio Paraíba em seu poema indica que esta escrava vivia em uma das fazendas no sudeste do Brasil, onde havia muitas fazendas de café no final do século XIX e de onde era extraída grande parte da riqueza do Brasil. (Ribeiro p. 116): “Concentrando-se em grandes massas nas áreas de atividade mercantil mais intensa, onde o índio escasseava cada vez mais, o negro exerceria um papel decisivo na formação da sociedade local.” A escrava do poema representa, de forma alegórica, todas as escravas que viviam nestes diferentes lugares.
Como o poeta trabalha a língua de forma ambígua, outra possibilidade é que, a ‘filhinha’ com quem a escrava atirou-se ao rio, seja prole do senhor da escrava citada. Segundo Darcy Ribeiro, era comum que os homens brancos, senhores de escravos, estuprassem suas escravas, ou tivessem, entre elas, concubinas. Isto causava o nascimento de crianças mistas. Contudo, elas não eram reconhecidas pelos senhores como seus filhos, não tendo assim, direito à herança juntamente com os filhos brancos, tidos com suas mulheres legítimas, senhoras brancas. Eram assim considerados escravos ou então expulsos das terras do patrão e acabavam, como os judeus, sem pátria, sem trabalho e sem direitos. Conseqüentemente, eram maltratados onde quer que fossem.
A ambigüidade do título está aqui. ‘Medo da senhora’ indica o medo que a senhora tinha da escrava, medo de ser trocada por ela, não como esposa legítima, mas como amada. Medo de que o senhor, após o nascimento da filha, a reconhecesse como filha legitima. A literatura brasileira conta histórias verídicas de senhoras brancas que castigavam suas escravas por ciúmes de seus maridos, por exemplo, A Escrava Isaura, entre outros. Ribeiro, página 163, diz: “Como teriam chegado tantas mulheres, que as estatísticas dos portos não registram? Trata-se de negrinhas roubadas que alcançavam altos preços, (...) Eram luxos que se davam os senhores e capatazes. Produziram quantidades de mulatas, que viveram melhores destinos nas casas-grandes. Algumas se converteram em mucamas e até se incorporaram às famílias, como amas de leite, (...) A negra-massa, depois de servir aos senhores, provocando às vezes ciúmes em que as senhoras lhes mandavam arrancar todos os dentes, caíam na vida de trabalho braçal dos engenhos e das minas em igualdade com os homens.” Este seria um dos motivos para a senhora maltratar, não somente a escrava, mãe da criança, mas também a própria criança.
Isto causava o ‘medo da senhora’ na escrava. Tanto que a levou a uma ação radical. Tirar a própria vida juntamente com a de sua filhinha. Se pensarmos na palavra ‘judiada’ como particípio passado do verbo judiar, e parte de uma locução verbal ‘fosse judiada’, entenderemos que a escrava cometeu suicídio para evitar o sofrimento da criança nas mãos da senhora, assim como acontecia com ela. Por outro lado, se pensarmos na palavra ‘judiada’ como um substantivo coletivo, que neste caso nomeia conjunto de seres de uma mesma espécie, entenderemos que o poeta fazia alusão ao conjunto de escravos, que, por serem maltratados, atormentados, torturados e tratados com crueldade por seus senhores, eram como a judiada, ou seja, o povo judeu. Com sua morte e de sua filhinha, a escrava evitaria que o processo se repetisse através das gerações. Este, um último recurso, já que não tinha como lutar contra a senhora.
O autor, ao falar deste tema muitos anos após a assinatura da lei Áurea, que colocava oficialmente fim a escravidão no Brasil, tenta mostrar que os descendentes diretos dos escravos libertos, também os descendentes mestiços de senhores brancos e escravas negras, eram ainda tratados com crueldade pelos descendentes brancos dos senhores dos escravos. Segundo Darcy Ribeiro e outros antropólogos é a massa indigente que compõe a nação brasileira, explorada pela elite branca. Essa massa ainda tem medo da senhora, ou de seus senhores e trabalha sob o terror de serem demitidos, maltratados, pois é uma massa sem direito e, portanto, expostos a vontade alheia de seus senhores.

(Trabalho de interpretação para curso de pós graduação em Lingua Portuguesa - PUC SP)