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segunda-feira, 16 de novembro de 2009

16 de novembro dia de finados


Você já teve aquela estranha e perturbadora sensação de estar totalmente vulnerável a algo desconhecido? Senti isso hoje ao visitar o cemitério da Consolação em São Paulo e confesso que não gostei. Entretanto, é uma experiência que merece ser contada pois me fez pensar e refletir na minha vida atual. Entrei uma pessoa mas saí outra, como num batismo.

Na volta de uma consulta de rotina no Incor, coisas de quem passou dos quarenta anos, o ônibus parou em frente ao cemitério da Consolação, resolvi, num impulso, descer um ponto antes do meu. Moro no bairro há quase dois anos e escrevi na minha lista mental visitá-lo numa manhã. Por que não hoje? Só vou trabalhar as 14 horas. Entrei, fui até a administração e peguei um mapa (guia de visitação) e um livreto (História e arte no Cemitério da Consolação, texto de José de Souza Martins). Inspirado na minha visita ao Cemitiere Pére Lachese de Paris, sai em busca dos túmulos de intelectuais, famosos, políticos e das tão faladas obras de arte no cemitério. Não dá pra ver tudo num dia só. Comecei pelo da marquesa de Santos, que doou parte do terreno para a construção da capela. Como não consta no mapa o tumulo de dona Rute Cardoso, perguntei a um daqueles homens que trabalham limpando o túmulo e ele foi muito gentil: “Ta vendo aquela árvore lá no final, é bem ali perto!” Havia umas 2.000 arvores, mas ele insistia que a arvore era o ponto de referencia. Segui em frente tentando achá-lo. Sai totalmente do roteiro que havia me proposto. Não achei nada.

Aproveitei que estava no final da rua e visitei os túmulos do Presidente Campos Salles, que é uma homenagem feita com o brasão da Proclamação da Republica feita em 15/11/1889, que coincidência, 120 anos e um dia atrás! Me espantei com o tamanho do túmulo do Conde Matarazzo. Gente pra que tudo aquilo? Acho que só perde para o túmulo de Napoleão em Paris ou de algum faraó egípcio. E quem foi ele mesmo? Mas ai, encontrei mais duas senhoras com aqueles uniformes verdes que trabalham limpando túmulos e perguntei novamente pelo da dona Rute Cardoso. “Tá vendo aquela arvore la na frente?” Ah, não de novo! “To vendo um monte de arvore, qual exatamente?” – “Aquela ali antes da capela. Olha o senhor vira ali, tem uma torneira, ai o senhor sobe, vai ver uma ameixeira...” Eu só como ameixa em caldas ou secas, não sei como é uma ameixeira. Sorry! “Mas como é o túmulo?” – “Bem simpleszinho, tem um jardinzinho em cima!” Quantos sufixos –inhos no final, será que vou achar?

Mas ai chegou o clímax da minha história. Passei em um canto, é um canto, dois muros feitos em forma de triangulo onde pessoas de diferentes crenças e religiões ascendem velas. No chão havia velas brancas e vermelhas, rosas, copinhos com água, cigarros acesos, pão e outras coisas. Curioso que sou, perguntei para uma moça que estava oferecendo algo lá. Ela respondia minhas perguntas rapidamente e com um sorriso sem graça no rosto. “Tem vela para as almas, e as vermelhas para Exu ou outros espíritos..” – “Você se importa de falar sobre isso? Estou incomodando?” – “Daqui há pouco eu vou fazer algo que não vai dar pra eu conversar não. Preciso me concentrar!” Ai ela começou a jogar pinga em volta do local e a falar coisas que eu não entendia. De repente me senti mal. Senti algo pesado no ar. O céu estava cinza, nublado, tempo quente e úmido, o termômetro da rua marcava 30 graus, mas não era só isso. Me senti desprotegido. Uma sensação ruim e quis me afastar dali o mais rápido possível. Ao perceber que eu me afastava ela disse: “Procure a fé!” É como se ela soubesse que eu não tenho fé, seja no sentido conotativo ou denotativo da palavra. A sensação de estar totalmente desprotegido, como quando se transa sem proteção, ou quando seu sistema imunológico esta sem defesas. Não tenho mais religião. Não acredito em nada e ao mesmo tempo acredito em tudo. Se os espíritos não existem ou existem, não sei, e não sei se quero saber. Havia muitos pernilongos e alguns conseguiram me picar. Eles poderiam me contaminar com dengue ou outro tipo de doença. Aqueles espíritos poderiam me contaminar de alguma coisa. Se é que eles existem, mas não quero saber se existem. Sou curioso, mas não preciso saber de tudo. Não quero abrir a caixa de pandora. Eu não queria pensar naquilo, mas eu não conseguia parar e só me senti melhor depois que encontrei aquela senhora de uniforme verde que limpava um tumulo e me sentei ao lado dela em um deles. Conversamos um pouco, tentava espairecer e esquecer, mudar o foco do pensamento.

Resolvi ir logo no tumulo da Rute, rutinha, como diz meu amigo Toni. Encontrei. Era mesmo de uma simplicidade e bom gosto bem peculiar de dona Rute. Sem hostentação, um pequeno jardim com plantas graciosas e bem cortadas. Só isso. Uma mulher que, segundo o próprio marido, ex-presidente da República, entrou na USP com uma nota melhor que a dele. Uma mulher que não queria ser chamada de primeira dama e se vestia com elegância e bom gosto, mas ainda com simplicidade e modéstia.

Pronto. Perto dali, vi o famoso “Sepultamento” de Brecheret, túmulo de outra grande mulher, dona Olívia Guedes Penteado, bem interpretado por Ana Paula Arósio na TV, e satisfeito sai para a vida.
Entrei uma pessoa pelo portão monumental que Ramos de Azevedo projetou, e sai outra. Conversei com as pessoas simples que conhecem ameixeiras e talvez nunca comeram ameixas secas ou em caldas, e que me mostraram que todos somos ignorantes de uma forma ou outra. Vi obras de arte lindas feitas para homenagear pessoas que se foram, ou não! (?), e as mantém vivas através da lembrança. Vi um mausoléu gigantesco que me fez pensar que existem pessoas que não se contentam em aparecer em vida, precisam se aparecer também depois de mortas, e vi o túmulo de uma mulher inteligente, mas simples que repousa em um lugar parecido com a vida que levou. Tive a sensação ruim de que estou desprotegido pelo simples fato de não crer em nada e com o eco da voz daquela mulher: “Procure a fé!” Mas que fé moça? O que é fé? Onde eu acho ela? Sai lembrando que fui ao Incor para cuidar do corpo, para ter uma vida de qualidade enquanto estiver vivo, mas sabendo que um dia, não importa o que eu faça, eu também serei um deles. Não serei enterrado ali e talvez nem tenha um túmulo com uma obra de arte encima. Talvez seja cremado. Mas até lá vou ter que pensar na vida e muitas outras coisas que faz parte da vida .

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