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segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Caos Urbano - O Mendigo e o banheiro público




Precisei tirar uma soneca após o almoço, pois ontem, o horário mudou. Horário de verão. Tento adaptar-me. Mais de uma hora depois, ainda dormente, semi-acordado fui a cozinha preparar uma xícara de café expresso. Enquanto esperava a água esquentar no micro ondas, abri a janela da lavanderia para olhar o movimento na rua. Da janela do quinto andar, onde moro, notei um mendigo parado na calçada que imediatamente chamou minha atenção. No dia anterior, eu tinha passado por um mendigo deitado, dormindo na calçada de uma rua no bairro de Higienópolis, e pela primeira vez, não virei o rosto e fingi que não havia ninguém ali, diminui o passo e olhei para o rosto dele. Era um homem jovem de, talvez, uns 25 anos, aparência saudável, pardo, com cabelos crespos, calças de cor marrom, não sei se era a cor original ou era marrom de sujeira. Usava uma camiseta igualmente encardida e tinha os pés descalços. Devia estará sem tomar um banho pelo mesmo numero de dias que não cortava o cabelo e fazia a barba, um bom par de semanas. Ao ver o mendigo da janela, perguntei: “Será que é o mesmo homem que vi ontem?”. Do outro lado da rua, ele continuava parado, olhando um pedaço de papel em suas mãos. Duas moças que, caminhando paralelamente, subiam a rua em direção a rua da Consolação, separaram-se diante dele. Uma foi à direita, outra à esquerda, sendo que esta última desceu da calçada, caminhou pela rua e só voltou após ultrapassar o local onde ele estava parado. Mais uma senhora passou, olhou para ele, sem se afastar e seguiu em frente. Possivelmente uma dessas pessoas que sentem pena de mendigos e os vê como desafortunadas criaturas que merecem uma esmola, caridade ou uma chance na vida. Mas o eu que vi a seguir causou um misto de consternação, desassossego e até irritação. O mendigo desceu as calças, descobrindo as nádegas, agachou-se e defecou ao pé de uma das majestosas árvores que ainda resistem na rua Dona Antonia de Queirós, no final da rua Bela Cintra. É isso mesmo ele c*g** na rua, em plena três horas da tarde. Foi algo rápido, durou menos de um minuto e não passava ninguém perto naquele momento. Não acreditei. Queria ter uma filmadora nas mãos. Da minha posição privilegiada, olhei ao redor para ver se alguém via o que eu via. Surgiu então um homem branco, vestindo um terno azul marinho que atravessou a rua indo ao encontro dele. Eu, possivelmente, teria feito o contrário, teria atravessado a rua para o lado oposto para não ter que deparar-me com o produto do mendigo. Mas o senhor tinha um propósito. Ao chegar perto do mendigo, este já em pé, examinava um pedaço de papel que pegara do chão. Estava parado quando o homem de terno aproximou-se e começou a conversar com ele. Não ouvi o que dizia, mas ele falava de forma dura e ríspida. O corpo rígido, movimentando principalmente os dois antebraços e os dedos indicadores. Ele não disse pouca coisa, pois a conversa durou quase um minuto. O mendigo abaixou a cabeça e o ouviu sem esboçar reação. Ao terminar, o homem de terno seguiu em frente, a passos largos, cabeça erguida, missão cumprida. Imagino o que ele tenha dito. Provavelmente o que eu gostaria de dizer naquele momento: “Seu sujo, porco, imundo. Você pensa que a rua é sua casa ou sua latrina? Escória social, você não sabe que há lugares certos para as pessoas andarem, os carros circularem, colocar o lixo? Que as pessoas moram em casas e que em suas casas há lugares estabelecidos para comerem, dormirem, cozinhares e também defecarem e tomarem banho? Você não sabe que o que você acabou de fazer é indecente, imoral e ilegal?” Logo depois, duas senhoras passaram por ele, sem saberem o que havia acontecido, pois vinham pela parte de trás da árvore, olharam pra ele. Uma com indignação, possivelmente devido sua aparência e o que ele representa para a sociedade, a outra olhou com dó. Não disseram nada verbalmente, seus corpos e reações passaram toda a mensagem. Um senhor que cruzou com elas, e que provavelmente havia visto tudo de longe quando subia a rua olhou para ele rapidamente e ao passar perto da arvore lançou um olhar para o coco no chão. Sabe-se lá pensando em que! O mendigo parecia alheio a tudo, jogou o pedaço de papel no chão, cutucou os bolsos e pegou um outro pedaço de papel que havia guardado. Abaixou-se e o colocou com cuidado no chão, em simetria com a calçada. Pegou um outro, um desses que as pessoas “normais”, decentes, cidadãos trabalhadores que pagam impostos jogam no chão. Cidadãos que fazem do muro em frente o meu prédio, banheiro, urinando ao voltarem das boates da rua Augusta, antes de pegarem seus carros. O mendigo olhou o papel com calma, analisou e colocou no bolso substituindo o pedaço anterior. Acho que ele não é “normal”, deve ser um doente mental, alguém que se perdeu da família e é procurado por anos. Um desses que dorme em albergues no inverno, mas que em dias quentes dorme sobre papelões ou cobertores velhos nas ruas da cidade. Quase senti dó dele, mas o micro-ondas começou a apitar, avisando que a água do café estava quente e eu voltei ao que havia me proposto a fazer. Preparei o meu café e vim para a frente do computador escrever esta história. Escreve-la antes que eu me esqueça dela e do que vi.

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