Pesquisar este blog

domingo, 8 de março de 2009

Filosofia e Cigarro


Sábado, 8h35 ela chega. Vestindo calças vermelhas estilo fuso, mas não daquelas agarradas, tipo anos 50, tecido de boa qualidade. Igualmente, sua blusa branca, com golas altas, decote canoa emoldurando sua cabeça. Elegantíssima, mas discreta. É a professora Jeni do curso de morfosintaxe na pós graduação. Baixa, voz rouca, sem potência, compete com o barulho dos ventiladores da sala e das pessoas que falam do lado de fora. Antes mesmo de começar a aula, que já está atrasada, ela acende um cigarro. Isso mesmo, dentro da sala de aula. Vai até a porta, levanta o braço direito e apóia a mão no batente da porta. Ali mantém o cigarro enquanto fala com a turma: “Como foram suas reflexões durante a semana? Ficou alguma dúvida do que falamos na última aula?” a fumaça insiste em entrar na sala, mas quem é que vai dizer alguma coisa para aquela senhora simpática de mais de 60 anos de idade? Sábado ela estava inspirada. Deu voltas e voltas para responder perguntas. “Não é para dar aula pensando que o aluno será gramático ou lingüista. Não dar teoria para o aluno, nem decoreba de nomenclatura. A Formação é generalista. Eles serão engenheiros, jornalistas, farmacêuticos e deverão ter domínio do bom uso. Mas precisam conhecer a norma culta. Aquela dos manuais de gramática. Gramática da língua não. Gramática do poder sim. Não do poder político, do poder para dominar outro como faziam os romanos impondo o latim, mas do poder escolher que variante usar. De poder dizer ‘a gente vai’ em casa, mas ‘nós vamos’ na entrevista para o emprego. Esta é a gramática da liberdade, não da opressão, pois será mais uma escolha que ele terá a sua disposição. Vai saber ler bula de remédio e contrato de trabalho sem ser enganado pelas letrinhas miúdas!” Mas no meio dessa filosofia e seriedade toda, ela solta umas pérolas. E ontem ela estava inspirada: “Fui em um congresso em Portugal e queria fazer a unha. Fui no salão e pedi pra fazer as unhas.” Disse ela mudando para o sotaque de Portugal. “A moça olhou minha mão e disse que minhas unhas já estavam feitas. Não tinha nada pra fazer ali. E eu tive que fazer minhas unhas sozinha, coisa que eu não sei fazer bem!” “Em Lisboa, entrei num taxi e disse pro motorista: Por favor, nos leva até tal lugar. Ele não saia do lugar. Insisti: Por favor, nos leva até essa rua. E nada. Depois da terceira vez ele respondeu: Se as senhoras pagarem eu levo-as. Depois eu entendi que ‘por favor’ significa de graça. Olha só como a língua e a cultura estão interligadas!” “Passadeira lá é faixa de pedestre e a expressão ‘que giro!’ é o mesmo que ‘Que legal’ aqui no Brasil. Mais um cigarro, pausa e ela continua: “Saber é poder. A diferença entre o tigre e o leopardo é que o leopardo sobe na arvore. Se você não souber a diferença, sobe na arvore pra escapar do leopardo e ele sobe lá pra te pegar. O tigre fica lá embaixo esperando.” Entre essa história e até o meio dia e meia, quando termina a aula dela, ela fumou mais alguns cigarros e soltou outras frases: “O velho aborrece. Queremos o novo. O aluno quer novidade.” “A praia é o paraíso da classe média paulistana.” “A mulher solteirona pede para o Aladim transformar o gato dela num príncipe. Quando estão na cama ele diz: Você deve estar arrependida de ter me mandado castrar.” “A literatura forma e informa. Ao ler Capitu eu sabia que nunca poderia me casar com um Bentinho, alguém que não toma decisões, é fragilizado.” “Os espanhóis não tem sons nasais em sua língua. A espanhola morando no Brasil vai na padaria e pede um pau. Imagina a cara de espanto do padeiro quando ouviu ela!” Deu o horário, ela foi embora, mas ficou o que ela disse! E sábado eu volto lá para ouvir a doutora Jeni Turazza, com sua sabedoria teórica e historia de vida, e passivamente fumar mais alguns cigarrinhos com ela.

Nenhum comentário: